segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Lar, Doce Lar



Houve um tempo em que eu brincava em baixo da mesa da copa da casa da minha avó, era uma mesa pequena, mas para mim e minha prima era um ótimo esconderijo, ela ficava perto das marcas na parede indicando nossas alturas. Havia também um porão onde se descartava móveis e brinquedos velhos. Era enorme e misterioso, um mundo de coisas a explorar, não fosse o medo das assombrações que não me deixava descer sem segurar a mão da minha mãe.

Mas o bom mesmo era fazer bolinhos de lama no quintal, plantar feijões, fazer guerra de mamonas e colher as amoras ainda verdes sem se importar se dariam dor de barriga... Quando chovia, nós fazíamos panelinhas de barro e ficávamos horas olhando para elas e esperando que secassem, até chegar a hora do jantar. Só não gostava mais de brincar no jardim da frente, pois já tinha furado o dedo nos espinhos das roseiras e não queria, de novo, correr o risco de dormir cem anos como a bela adormecida. Mas gostava de olhar as gotas de chuva nas rosas, era bonito.

Hoje os tempos são outros. As casas não são mais os nossos lares, são alojamentos em que dormimos e comemos. Não há espaço para mais. Nas ruas há centenas de anúncios de apartamentos, qualquer terreno abandonado vira condomínio. Alguns se orgulham dizendo que a cidade está crescendo, mas a verdade é que estamos nos empilhando como nossas casas, que hoje são caixotes de armazenar pessoas! As moradias não valem mais pelo que são, mas por sua localização; se é perto do shopping valerá três vezes mais mesmo que só se tenha espaço para andar de lado.

E os meus netos? Não, não farão bolinhos de lama, nem guerra de mamonas, não plantarão feijões e nem se assustarão com o porão. Eles não se importarão com a chuva enquanto atualizarem suas redes sociais e não olharão as gotas de água nas roseiras. 

Baseado em Fatos Irreais



Era um parque cheio de flor, de cor e de riso
Mas em um banco sentava-se a dor, a dor e um grito
Era um resto de gente
Que, arduamente, retomara o sentido
Era um homem sentado com o grito guardado
Entalado um gemido.

Era a família acertada e a esposa amada
Que ele havia esquecido
Trocara tudo e um pouco por um sonho louco
Havia enlouquecido!
Era um homem sentado com o grito guardado
Entalado um gemido.

Que fez aquela mulher que não quis nem sequer
Lhe trazer o sorriso?
Ainda era inocente o suficiente
Pra não ter percebido?
Era um homem gelado. Com um grito calado.
E o peito ferido.



Fatos Irreais



Marcelo é professor de direito trabalhista em uma universidade renomada. Deixou os tribunais há vinte anos, quando Patrícia ficou grávida de seu primeiro filho, desde então vive pacata e confortavelmente com sua família.
           Este ano, porém, ocorre um fato que mudará sua vida; o fato chama-se Julinha. Ela acaba de se transferir para a universidade, é alta, tem cabelos longos e olhos claros, seios fartos e um corpo escultural. Entra na sala de aula com suas longas pernas desfilando sobre o salto alto, move os braços suavemente e lhe abre um sorriso radiante. Marcelo nunca havia olhado para uma aluna daquela forma e agora, simplesmente não conseguia pensar em outra coisa. Do professor dinâmico, divertido e competente, admirado por todos, passou a arrastar-se inebriado pelos corredores observando e memorizando cada centímetro daquele corpo. À noite, em seus sonhos, Julinha despia-se lentamente em sua cama, o tocava suavemente e beijava-o entre um sorriso débil e um gemido contido.
Patrícia dormia calmamente ao lado de seu marido. Este se atormentava com a culpa de seus pensamentos infames que, por sua vez, só aumentavam; bastava trocar duas palavras com a aluna que sua imaginação fluía, idealizava uma paixão enlouquecedora que o corrompia a ponto de não conseguir olhar nos olhos de sua mulher. A convivência tornou-se insuportável. O comportamento de Marcelo a fazia duvidar de sua fidelidade, o que não era para menos ao passo que a loucura do professor levava ele mesmo a acreditar que mantinha um caso com Julinha. Quanto a esta, nem suspeitava. Falava com seu professor somente o necessário.
           Enfim, Marcelo tomou a decisão, iria assumir o romance com sua aluna e largar tudo por aquela paixão. Escreveu um bilhete marcando um encontro no parque da cidade, colocou dentro de um livro e entregou a Julinha. Demitiu-se da instituição já que não poderia manter um relacionamento com uma aluna. Em casa, arrumou as malas e deu adeus a Patrícia e seus filhos. Julinha não entendeu os olhar de Marcelo quando entregou-lhe o livro, muito menos o bilhete que dizia: “Minha doce menina, está tudo resolvido como você queria, me encontre às quatro da tarde no parque embaixo da nossa árvore. Do seu Marcelo”. Acreditando que não passava de um engano, a moça ignorou o recado.
Às quatro, Marcelo esperava por Julinha no banco embaixo da árvore, com flores numa mão e malas na outra, esperou a tarde toda, a noite toda e ao amanhecer lá estava e, retomando os sentidos, percebeu seu erro. Porém, agora não tinha mais um emprego, uma esposa, uma casa. E nunca teve Julinha. Era um homem racional que raramente se guiava pela emoção que se via entregue a um devaneio. Humilhado, imaginou-se vagando pelas sarjetas e, não suportando a ideia resolveu dar fim a sua vida.




As Mulheres Daqui


Elas amam porque têm vontade.
Elas sofrem porque têm coragem.
Feito meninas, se escondem atrás dos laços,
mas voltam com o receio
que o mundo se parta ao meio
sem a força dos seus braços!





...




Às vezes acho que amo além da conta
E penso menos que devia
Não sei a conta do amor
Nem a medida do pensamento
Será que amor acaba em dor?
Será sentimento?
Ou é sentir o pensamento?
Sem pensamento o sentimento silencia?
Sem sentimento o coração bateria?



Ao ar livre



Abram alas para o que virá
para as folhas que decidirem cair
para a estrela que se permitir brilhar.

Que o meu nome ainda espera pela glória
E meus pés que já não seguem os trilhos
ainda esperam caminhar por terras eternas.
Terra onde não me falhem as pernas,
Terra que respeita a liberdade de seus filhos...




Fora do palco



Se eu pudesse, me esconderia entre as cortinas
num canto qualquer da coxia,
só pra não dizer as mesmas falas,
as mesmas frases,
escritas sempre com a mesma letra...
Só pra não dar as mesmas respostas,
jogadas depois das mesmas deixas.

Se eu pudesse, seria outra personagem...
Usaria outra máscara, outra imagem...
Alguém com mais encanto,
que causa riso e causa pranto,
que dança, chora, grita, salta...
Seja Julieta, Ofélia ou Medeia,
alguém que se curva na ribalta
e ouve os aplausos da plateia.